Agosto 2002
1. Naquele dia, tal como tantos outros, saí do
escritório por volta das sete horas. Era ainda de dia e estava
calor. Desci até ao parque e sentei-me numa das esplanadas
em redor do lago. Pedi um gin tónico e bebi-o em pequenos
goles metódicos. Pedi outro, bebi-o da mesma forma e
deixei que os meus pensamentos flutuassem sem controlo.
Foi só quando me levantei e me encaminhava para o carro,
estacionado ali perto, que me apercebi que não sabia onde
morava. E não se tratava de não conseguir dizer o nome da
rua, ou da porta, e em que zona da cidade ficava mas sim,
tão só e apenas, não ter a mínima recordação sobre o
assunto. Em algum lugar havia de morar, mas onde? Sabia
o meu nome, data de nascimento, filiação, estado civil,
profissão — confirmei apressadamente o meu bilhete de
identidade — mas não conseguia dizer a minha morada
nem me lembrava de nada que me pudesse ajudar a
descobri-la. Percorri os meus documentos mas nada
encontrei. Estava a começar a perder o controle. Entrei no
carro e arranquei sem destino confiando nos meus instintos.
Mas apesar de conseguir visualizar facilmente a cidade, com
as suas zonas e as suas saídas, sentia-me perdido. No
cruzamento da rua 5 com a rua 12 despistei-me e fui
embater num poste de iluminação. Desmaiei. Retomei
consciência muito tempo depois, mais precisamente doze
anos depois. Os médicos mostraram-se muito preocupados
mas eu assegurei-lhes que me sentia bem. Uma semana
depois deixaram-me sair. Entrei no táxi e dei a minha
morada ao condutor. Finalmente ia voltar para casa.
Mil e uma pequenas histórias
Luís Ene
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