sábado, 30 de setembro de 2006

Carta aos A M I G O S

"Se por um instante Deus se esquecesse
de que sou uma marionete de trapo
e me presenteasse um fragmento de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso
mas em definitivo
pensaria tudo o que digo.
Daria valor as coisas,
não pelo que valem,
senão pelo que significam.
Dormiria pouco, sonharia mais,
entendo que por cada minuto
que fechamos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.
Andaria quando os demais se detêm,
despertaria quando os demais dormem.
Escutaria quando os demais falam,
e como desfrutaria
um bom sorvete de chocolate!
Se Deus me obsequiasse
um fragmento de vida,
vestiria simples,
me atiraria de bruços ao sol,
deixando descoberto,
não somente meu corpo senão minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração,
escreveria meu ódio sobre o gelo,
esperaria que saísse o sol.
Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre as estrelas um poema de Benedetti,
e uma canção de Serrat
seria a serenata que lhes ofereceria à lua.
Regaria com minhas lágrimas as rosas,
para sentir a dor de seus espinhos,
e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um fragmento de vida...
Não deixaria passar um só dia
sem dizer as pessoas que quero,
que as quero.
Convenceria a cada mulher ou homem
de que são meus favoritos
e viveria enamorado do amor.
Aos homens lhes provaria
quão equivocados estão
ao pensar que deixam de enamorar-se
quando envelhecem,
sem saber que envelhecem quando
deixam de enamorar-se!
A criança lhe daria asas,
porém lhe deixaria
que sozinho aprendesse a voar.
Aos velhos lhes ensinaria
que a morte não chega com a velhice
senão com o esquecimento.
Tantas coisas tenho aprendido de vocês,
os homens...
Tenho aprendido que todo o mundo quer
viver no topo da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade
está na forma de subir a escarpa.
Tenho aprendido que
quando um recém nascido aperta
com seu pequeno punho,
pela primeira vez, o dedo do pai,
o tem apanhado para sempre.
Tenho aprendido que um homem
só tem o direito de olhar a outro
com o olhar baixo
quando há de ajudar-lhe a levantar-se.
São tantas coisas as que tenho
podido aprender de vocês, porém
realmente de muito não haverão de servir,
porque quando me guardarem dentro dessa mala,
infelizmente estarei morrendo" .
...
Gabriel Garcia Márquez

1 comentário:

Anónimo disse...

O problema destas 'contribuições' apócrifas ( e esta não é a única, tambem circula uma do Picasso, por ex...) é se o facto de serem bonitas e bem intencionadas pode esconder a questão de fundo que é serem falsas. Isto é: sob a capa de sermos todos mt bem intencionados, há muita gente que objectivamente mente e se serve indevidamente de nomes famosos para validar as suas contribuições 'iluminadas'.