Neuro-cibernética, auto-organização e ancoragem
(Por Mark E. Furman)
Por que é que os princípios e condições correctos para a formação de várias classes de âncoras nunca estiveram disponíveis sem dificuldades? Se você já teve a oportunidade de ler alguma literatura sobre o tema, uma ideia poderia ocorrer-lhe instantaneamente: qualquer ferramenta com o poder de influenciar o sistema nervoso humano, tanto aberta como encoberta, carrega com ela o poder de criar e o poder de destruir.
Como a literatura indica, Ivan Pavlov não foi certamente o primeiro a entender e a delinear os princípios e condições que governam essa poderosa ferramenta e o trabalho da sua vida não foi certamente o primeiro a ser explorada com más intenções.
A história
O primeiro documento conhecido dando uma descrição mais ou menos sistemática dos reflexos "naturais" condicionados – então chamados de "reflexos físicos" foi publicado pelo Dr. Wolfson na forma de uma tese intitulada "Observações sobre secreções salivares" (Petrograd, Rússia 1899). O termo "reflexo condicionado" foi usado pela primeira vez, por escrito, pelo Dr. Tolochinov, que completou as suas experiências em 1901 e comunicou os resultados no Congresso de Ciências Naturais em Helsingfors, em 1903. É lógico que a história vem de muito antes da virada do século 20, entretanto, os Dr. Wolfson e Tolochinov e suas equipas de cientistas pesquisadores foram os primeiros a formalizar essa descoberta.
Nessa época, Dr. Ivan Pavlov era um fisiologista interessado na fisiologia da digestão. Ele achou o trabalho feito por Wolfson e Tolochinov tão fascinante que devotou o resto da sua vida a fazer pesquisa sobre reflexos condicionados. Pavlov ganhou o Prémio Nobel em 1904 e, finalmente, na primavera de 1924, ele realizou uma série de palestras na Academia Médica Militar de Petrograd para uma audiência de médicos e biologistas.
Essas palestras foram estenografadas e mais tarde publicadas. Dr. Pavlov admitiu nessa época que a ideia original do reflexo, como ele a conhecia, tinha evoluído durante 300 anos desde o trabalho de René Descartes. A concepção do reflexo, por Descartes, parou de repente no córtex cerebral, de onde Pavlov começou. A crença de Pavlov era que os estados fisiológicos como a brincadeira, o medo e a raiva podiam ser demonstrados como actividades produzidas pelo reflexo de componentes sub corticais do cérebro.
Um esforço corajoso para aplicar a ideia do reflexo às actividades dos hemisférios foi feita pelo fisiologista russo I. M. Sechenov no seu panfleto intitulado Reflexos do Cérebro, publicado na Rússia, em 1863. É desta noção investigada por Sechenov e Pavlov, que nasceu o presente conceito de ancoragem da PNL.
Enquanto a intenção das palestras de Pavlov era esclarecer a comunidade médica científica sobre o extraordinário valor positivo para a humanidade, inadvertidamente essa valiosa informação passou para as mãos de uns poucos cujas intenções eram malignas.
Que eu saiba, os campos da Psicologia Comportamental, Programação Neuro-Linguística e Psiconeuroimunologia foram os primeiros a implementar essa poderosa tecnologia com a intenção de cura desde 1924. Cada um desses três campos aplicou a tecnologia de uma maneira restrita.
O campo da Psicologia Comportamental aplica esse conceito predominantemente no sistema motor. O campo da Programação Neuro-Linguística aplica esse princípio predominantemente no sistema autónomo e neuro-endócrino.
O campo da Psiconeuroimunologia tem como objectivo o comportamento molecular do sistema neuroimunológico. Todos esses campos fazem uso das regras retiradas da neuro-cibernética quando as suas aplicações são bem sucedidas.
Reunindo âncoras para aplicações específicas
Existem vários tipos de âncoras tais como as âncoras de sinal, âncoras de confirmação/reforço, âncoras de inibição, etc. A fim de produzir um efeito duradouro na mudança, todos esses tipos de âncoras devem ser combinados e sequenciados em função dos princípios e condições que governam o seu estabelecimento. Vamos olhar com mais atenção a alguns usos correctos e incorrectos dessas âncoras na PNL de hoje.
Encadeamento de âncoras
O fenómeno de encadeamento foi descoberto por Pavlov e depois extensivamente usado por B. F. Skinner a fim de estabelecer uma reacção em cadeia. Foi adoptado pela PNL para uso em estados fisiológicos encadeados e na instalação de estratégias comportamentais. Como mencionado antes, esse procedimento faz uso do circuito autónomo bem como do circuito neuro-endócrino do corpo humano que suporta o rápido começo e o lento declínio dos estados fisiológicos.
Descobriu-se que o encadeamento é um excelente meio para criar uma trajectória entre dois estados fisiológicos radicalmente diferentes. Esse procedimento facilita a transição mais branda entre o estado presente e o estado desejado. Apesar de ser uma das aplicações mais comuns disponíveis na literatura da PNL, o conceito do encadeamento tem um potencial ilimitado.
Uma área de grande valor aplicado é a da instalação das cadeias comportamentais – chamadas de estratégias. Para esse tipo de instalação ser bem sucedida, no mínimo uma das três condições abaixo descrita precisa de estar presente:
uma âncora de sinal precisa de ser estabelecida indicando cada comportamento exigido na cadeia;
uma âncora de confirmação, a qual pode ser a mesma para cada comportamento na cadeia, e precisa de ser estabelecida para aumentar o potencial da reacção;
a âncora comportamental deve ser construída em sentido contrário ou ela irá se desagregar. A cadeia ou a estratégia deve ser projectada de tal maneira que quanto mais bem estabelecido o comportamento sempre segue um comportamento menos bem estabelecido, neste caso agindo como uma âncora de confirmação/reforço para o comportamento mais fraco. Essa condição cria uma cadeia comportamental auto-reforçante (estratégia) de tal maneira que a retirada da primeira âncora de confirmação/reforço deixa a estratégia intacta. Se você alguma vez instalou uma estratégia que se desagregou, ela provavelmente não satisfez uma ou mais dessas condições.
Generalização x discriminação
Fala-se muito na comunidade da PNL sobre a importância de se conseguir que uma mudança se generalize. Isso é de grande valor quer seja um estado fisiológico ou uma nova estratégia. Assim, o que realmente significa conseguir que algo se generalize e como fazer isso usando as âncoras?
A generalização é a tendência para uma reacção aprendida ocorrer na presença de um estímulo que não estava presente durante a instalação. Reciprocamente, a discriminação é a tendência para uma reacção aprendida ocorrer somente na presença de um estímulo introduzido durante a instalação e não na presença do estímulo ausente durante a instalação.
Aqui está a explicação: se a sua intenção é obter que um comportamento ou um estado se generalize, você deve usar uma âncora de confirmação/reforço quando a reacção desejada ocorre na ausência da âncora de sinal original que estabelecia a reacção. Se você quer que o novo comportamento ou estado ocorra somente em tempos específicos ou em situações específicas, você deve utilizar a âncora de confirmação/reforço somente quando a reacção desejada ocorrer na presença da âncora de sinal.
Este procedimento garante que o novo comportamento ou estado permaneça sobre o controle do estímulo. Do ponto de vista da neurofísica, quando você generaliza o comportamento ou estado, você está ampliando a bacia de atracção.
Quando você treina a discriminação de um comportamento ou estado, você está restringindo a bacia de atracção. A sugestão pós-hipnótica e a ponte ao futuro são duas formas de instalação, as quais restringem a bacia de atracção e levam o novo comportamento ou estado sob o controle do estímulo (discriminação) quando correctamente realizado.
Na sugestão pós-hipnótica e na ponte ao futuro, a âncora de sinal é proposta verbalmente. Isso é uma forma de ordem de ancoragem mais elevada em que tanto o estímulo em si (primeira ordem) como a instrução verbal (segunda ordem) são agora capazes de eliciar a reacção. Por exemplo, se eu lhe digo que a leitura desse artigo irá deixá-lo mais curioso sobre o potencial da ancoragem para a sua vida pessoal e negócios, tanto o estímulo visual da leitura desse artigo (primeira ordem) como a instrução verbal (segunda ordem) têm a capacidade de eliciar o estado de curiosidade.
Uma maneira de conseguir que um estado fisiológico se generalize é uma "mudança de história" correctamente formatada ou o procedimento de "empilhamento".
Empilhamento de âncoras
O empilhamento é normalmente descrito como um procedimento pelo qual você cria uma âncora de sinal a qual dispara diversos estados emocionais diferentes para serem usados mais tarde como um recurso poderoso. As instruções são normalmente para ancorar cada estado de recurso com a mesma âncora de sinal e a âncora de sinal tornar-se-à mais poderosa de um modo crescente. Na realidade, esse procedimento cria exactamente o oposto.
Neuro-fisiologicamente, uma âncora de sinal que especifica mais do que um estado fisiológico irá causar inibição interna, supressão da reacção e finalmente a extinção dos estados que você está tentando empilhar. Se você já teve uma âncora empilhada que depois de um tempo se enfraquece em vez de se fortalecer, você agora pode ver o porquê.
Cada estado fisiológico que é disparado pela mesma âncora de sinal compete para se tornar o parâmetro de ordem do sistema neuro-cibernético. O estado que vence é sempre o estado com o maior grau de aumento. Eventualmente mesmo este estado se torna inibido pela competição dos outros.
Empilhar é um procedimento que é o mais apropriado para ocasionar que se generalize um comportamento aprendido ou um estado. Entretanto, o procedimento deve ser modificado da seguinte maneira a fim de ser efectivo. Lembre-se, se você quer que algo se generalize, você deve:
aumentar o número de âncoras de sinal capazes de eliciar a reacção, não o número de reacções capazes de serem eliciadas pela âncora de sinal;
utilizar a âncora de confirmação/reforço quando o estado ou o comportamento está ocorrendo na ausência da âncora de sinal original. Desse modo, você irá ampliar a bacia de atracção para um novo estado ou comportamento e fará com que ele se generalize.
Colapso de âncoras
O último procedimento que eu gostaria de discutir é o uso apropriado das âncoras de colapso. A noção de colapso de âncoras foi o maior e o mais detalhado dos tópicos discutidos por Pavlov nas suas palestras para a comunidade médica e científica sob a "inibição condicionada". O tópico tornou-se extenso por causa do facto de existirem mais condições necessárias para inibir um reflexo previamente condicionado do que para a formação de qualquer outro procedimento. Muitos dos seus esforços eram por tentativa e erro porque ele não tinha a vantagem de ter as imagens dos neurónios para trabalhar a nível molecular, como nós temos hoje.
O primeiro tipo de inibição condicionada é similar ao que hoje nós nos referimos como "interrupção de padrão". O método consiste na utilização uma âncora de sinal para disparar um estado ou comportamento e a interrupção do seu padrão de activação com um forte estímulo sensorial. Aqueles de vocês que estão familiarizados com EMDR podem ver as similaridades.
Um outro tipo de inibição condicionada exige que um forte estímulo seja apresentado primeiro e o que o estado ou comportamento ancorado seja disparado em segundos. Nesse caso, a actividade traço do primeiro estímulo sensorial interrompe a formação espontânea do estado ou comportamento previamente condicionado.
O terceiro tipo de inibição condicionada é referido por Pavlov como "inibição interna". As condições para isso são simples. Se uma âncora de sinal que normalmente dispara um estado ou comportamento, é impedida de uma maneira qualquer de disparar a sua reacção pré-condicionada cada vez que a âncora é disparada sem estar apta a disparar a reacção, o padrão de activação submete-se a uma maior supressão condicionada até que ocorra a extinção.
Este caso é particularmente interessante pois a âncora originalmente eliciada e fortalecida a uma dada reacção, agora é a responsável pela supressão da reacção. Se você já teve uma âncora que não funcionou bem apenas alguns minutos depois de ter sido testada e provado que era efectiva, agora você já sabe o porque.
Uma vez estabelecida uma âncora, ela precisa produzir com segurança a reacção planeada, todas as vezes, ou a supressão começa a ocorrer. Você também pode observar que dentro dos princípios explícitos e condições necessárias para formar vários tipos de âncoras, certamente é possível controlar exactamente quanto tempo dura uma âncora e se ela tem ou não a capacidade de disparar sem você estar presente.
Decididamente a noção mais importante que precisa ser banida é que pelo colapso de âncoras você causa os dois estados ancorados a se integrarem. Isso não é verdade. Se você quer provar isso para você mesmo, simplesmente ancore uma percepção visual de um cubo de Necker cinestesicamente no seu ombro direito e a percepção oposta do cubo de Necker no seu ombro esquerdo.
Uma vez que cada âncora produz uma mudança confiável na percepção visual, dispare as duas âncoras simultaneamente. Se a integração era possível no sistema nervoso, você poderia olhar para o cubo de Necker a partir de agora e ver simultaneamente as duas posições perceptivas ou uma integração disso para sempre.
Isso de facto não é o caso. Ao invés disso, o que você vai descobrir é que cada estado perceptivo visual irá competir pelo domínio e irá oscilar de um lado para outro até que o estado de percepção com o maior grau de aumento finalmente domine.
Colapso de âncoras resulta tanto na inibição temporária ou permanente de um dos dois estados dependentes das diversas condições incluindo timing, acompanhamento, ordem, número de introduções, intervalo entre tentativas, grau do aumento de cada estado ancorado, etc., e está sujeito a recuperação espontânea se feito incorrectamente.
Colapso de âncoras e inibição condicionada também podem ser efectuadas de outras maneiras criativas. Pavlov experimentou durante muitos anos a ideia de estabelecer uma âncora composta e depois produzir uma inibição condicionada pela extracção de um componente sensorial da âncora composta original e usando-a para produzir inibição.
Sensibilização, pseudo-condicionamento e condicionamento inverso
Muitos Practitioners que são novatos com a noção da ancoragem descobrem que têm dificuldades no estabelecimento de âncoras efectivas e que durem. Isso é mais comum devido aos erros no timing e no acompanhamento. É possível para um estímulo eliciar temporariamente uma reacção desejada ainda que ela não se torne uma âncora efectiva.
Isso é chamado de "pseudo-condicionamento" e se torna possível pelo fenómeno no sistema nervoso chamado de "sensibilização". A sensibilização é a tendência de um estímulo eliciar uma reacção reflexa seguindo a eliciação desta reacção por diferentes estímulos.
Isto significa que a solicitação linguística por um estado fisiológico pode ser incorrectamente acompanhado com um toque no ombro e ainda temporariamente produzir o estado cinestésico mesmo que incorrectamente programado.
Também é possível para uma âncora disparar temporariamente um estado desejado por meio do "condicionamento inverso". Isso ocorre quando um Practitioner ancora um estado que já está ocorrendo. Nesse caso, o estado precede a âncora por fracções de segundos. Sob condições de laboratório, Pavlov tentou a salivação sob condicionamento inverso usando 427 tentativas antes de concluir que o reflexo condicionado resultante somente podia ser um reflexo temporário.
Essas são apenas algumas das ciladas da ancoragem que fazem com que alguns recém-chegados concluam que ancoragem não é uma ferramenta efectiva.
Artigo publicado na revista Anchor Point de Julho de 1996.
http://www.golfinho.com.br/artigos/mente_e_cerebro/mente_e_cerebro_7.htm
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