sábado, 14 de abril de 2007

Afinidade é um dos poucos Sentimentos que resistem ao tempo e aos depois...


A afinidade não é o mais brilhante, mas o mais subtil, delicado e penetrante dos sentimentos. O mais independente. Não importa o tempo, a ausência, os adiamentos, as distâncias, as impossibilidades. Quando há Afinidade, qualquer reencontro retoma a relação, o diálogo, a conversa, o afecto no exacto ponto em que foi interrompido.

Afinidade é não haver tempo mediante a vida. É uma vitória do adivinhado sobre o real. Do subjectivo sobre o objectivo. Do permanente sobre o passageiro. Do básico sobre o superficial.
Ter Afinidade é muito raro. Mas quando existe não precisa de códigos verbais para se manifestar. Existia antes do conhecimento, irradia durante e permanece depois que as pessoas deixarem de estar juntas. O que você tem dificuldade de expressar a um não afim, sai simples e claro diante de alguém com quem você tem Afinidade.

Afinidade é ficar de longe pensando parecido a respeito dos mesmos fatos que impressionam, comovem ou mobilizam. É ficar conversando sem trocar palavra. É receber o que vem do outro com aceitação anterior ao entendimento.

Afinidade é sentir COM. Nem sentir PARA, nem sentir POR, nem sentir PELO. Quanta gente ama loucamente, mas sente contra o ser amado. Quantos amam e sentem para o ser amado, não para eles próprios.
Sentir COM é não ter necessidade de explicar o que está sentindo. É olhar e perceber. É mais calar do que falar. Ou quando é falar, jamais explicar; apenas afirmar.

Afinidade é jamais sentir POR. Quem sente POR, confunde Afinidade com masoquismo. Mas quem sente COM, avalia sem se contaminar. Compreende sem ocupar o lugar do outro. Aceita para poder questionar. Quem não tem Afinidade, questiona por não aceitar.

Só entra em relação rica e saudável com o outro, quem aceita para poder questionar. Não sei se sou claro: quem aceita para poder questionar, não nega ao outro a possibilidade de ser o que é, como é, da maneira que é. E, aceitando-o, aí sim, pode questionar até duramente se for o caso. Isso é Afinidade. Mas o habitual é vermos alguém questionar porque não aceita o outro como ele é. Por isso, aliás, questiona. Questionamento de afins, eis a (in)fluência. Questionamento de não afins, eis a guerra.
A Afinidade não precisa do amor. Pode existir com ou sem ele. Independente dele. A quilómetros de distância. Na maneira de falar, de escrever, de andar, de respirar. Há Afinidade por pessoas a quem apenas vimos passar, por vizinhos com quem nunca falamos e de quem nada sabemos. Há Afinidade com pessoa de outros continentes a quem nunca vemos, veremos ou falaremos.

Quem pode afirmar que, durante o sono, fluidos nossos não saem para buscar sintonias com pessoas distantes, com amigos a quem não vemos, com amores latentes, com irmãos do não vivido?
A Afinidade é singular, discreta e independente, porque não precisa do tempo para existir. Vinte anos sem ver aquela pessoa com quem se estabeleceu o vínculo da Afinidade! No dia em que a vir de novo, você vai prosseguir a relação exactamente do ponto em que parou.
Afinidade é a adivinhação de essências não conhecidas nem pelas pessoas que as tem.

Por prescindir do tempo e ser a ele superior, a Afinidade vence a morte porque cada um de nós traz Afinidade ancestrais com a experiência da espécie no inconsciente. Ela se prolonga nas células dos que nascem de nós, para encontrar sintonias futuras nas quais estaremos presentes.
Sensível é a Afinidade. É exigente, apenas de que as pessoas evoluam parecido. Que a erosão, amadurecimento ou aperfeiçoamento sejam do mesmo grau, porque o que define a Afinidade é a sua existência também depois.
Aquele ou aquela de quem você foi tão amigo ou amado, e anos depois encontra com saudade ou alegria, mas percebe que não vai conseguir restituir o clima afectivo de antes, é alguém com quem a Afinidade foi temporária.
E Afinidade real não é temporária. É supra-temporal. Nada mais doloroso que contemplar Afinidade morta, ou a ilusão de que as vivências daquela época eram Afinidade. A pessoa mudou, transformou-se por outros modos. A vida passou por ela e fez tempestades, chuvas e plantio de resultado diverso.

Afinidade é ter perdas semelhantes e iguais esperanças. É conversar no silêncio, tanto das possibilidades exercidas, quanto das impossibilidades vividas.

Afinidade é retomar a relação no ponto que parou, sem lamentar o tempo da separação. Porque tempo e separação nunca existiram. Foram apenas a oportunidade dada (tirada) pela vida, para que a maturação comum pudesse se dar. E para que cada pessoa pudesse e possa ser, cada vez mais, a expressão do outro sob a forma ampliada e reflectida do eu individual aprimorado.

Artur da Távola

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